terça-feira, 15 de novembro de 2011

nem tudo em mim se encaixa



Quando olhei para o lado estes dois faróis estavam me escancarando numa sorveteria na cidade de Santa Cruz. É uma cidade universitária, full of life. Como a luz começou a baixar muito mais rápido do que eu gostaria, tive que voltar para a estrada e chegar em São Francisco num horário razoável. E assim que enfiei meu carro nela, dei de cara com isso.



Quando mostrei o vídeo para o meu avô ele comentou que antigamente havia muito mais arco-íris e pedras de gelo em São Paulo. Eu acho que ele tem razão, chuvas de pedra e arco-íris fazem parte dos momentos mais fantasiosos da minha infância.

Voltando para as curvas da estrada, acho que deixei alguma coisa minha lá, um par de brincos, um pé de meia solteira e talvez algo maior. Como li num poema soviético outro dia, "nem tudo em mim se encaixa". Há lugares e coisas que você faz para aumentar a sensação de encaixe ou diminuir a de desencaixe na vida. Meditar, rezar, transar, comprar, comer, beber, atuar, atuar, atuar, ver alguém fazer algo brilhante na sua frente, cozinhar, ler um bom poema em voz alta, olhar sem pressa ou expectativa uma paisagem. Schopenhauer dizia que somente nos instantes de contemplação artística o nosso querer se aquieta, e eu digo mais, a estrada também tem esse poder. Talvez pelo movimento, ou pela sensação de que você acabou de deixar um lugar e está prestes a encontrar outro, e que este meio-do-caminho-lugar-nenhum é o verdadeiro destino. Eu gosto daí, por que aí, talvez seja unica e exclusivamente dentro de mim mesma. Lugar difícil de chegar, fácil de escapar. Você pode discordar, entendo, eu talvez também discorde, nos próximos cinco minutos. Mas, por hora, essa é minha melhor explicação.

E aí a estrada me levou a São Francisco, um país dentro de outro país. Um lugar a parte, muitas subidas e descidas, a arquitetura muito específica, nem européia nem americana. Linda cidade, e no alto do meu altíssimo sonho de consumo eu seria paga para morar dois meses lá, afim de ensaiar uma peça, escrever um roteiro.

As pessoas são felizes em São Francisco, talvez por isso, a música nos mande por flores no cabelo se formos para lá. É uma cidade musical, meio hippie, tem um cheiro bom no ar. É uma cidade gay, explicitamente, mas não se pensa nisso estando lá. Eu acho que muita gente vai para S.F para ser feliz, assumir uma sexualidade reprimida, e por isso, todos, (fora uma motorista de ônibus que quase me bateu por que eu não entendia o que ela queria me dizer), todos estão de bem com a vida. Eu mesma, há muito tempo não ouvia esta expressão, de bem com a vida. Parece que saiu de moda, mas não em São Francisco.

Tem a caretice dos E.U.A, você não pode dar um gole da sua cerveja se estiver com o pé para fora do deque do bar, mas ao mesmo tempo as pessoas fumam muita maconha na mesa ao lado. Há menos comida gordurosa do que em Los Angeles (graças a Deus), há muito a cultura do alimento orgânico e principalmente da boa educação. O trânsito, um capítulo a parte, como é uma cidade de terremotos, se for em subida, você tem que estacionar o carro com as rodas viradas para um determinado lado (para seu veículo não ir parar no meio da rua e atrapalhar o resgate e a ambulância caso o terremoto aconteça). Se for descida, as rodas tem que estar de outro jeito. Como também é uma cidade de ciclistas, toda vez que você for passar por uma ciclovia tem que virar a cabeça para trás e ver se não tem nenhum ciclista vindo, por causa do ponto cego do retrovisor. Meu amigo local conta que quando chegou não entendia tanta viração de cabeça dentro dos carros. E há a política do STOP, que ele me explicou umas dez vezes e eu NÃO entendi. É toda uma conjuntura, entre o pedestre (lá são reis), seu carro e o carro do outro lado e a placa de stop. Para mim, uma ave maria antes de sair, e tentar não cometer tantas gafes com os motoristas locais.

E foi em S.F que eu conheci as árvores mais lindas, esbeltas, antigas. As sequoias. Você atravessa a Golden Gate e chega nesse parque. Eu cheguei de noite quando o cheiro delas fica ainda mais forte e os turistas já guardaram suas máquinas fotográficas. São Francisco é tão bacana que até fiquei sem graça no começo. Me senti bicão em festa alheia. Até fazer um amigo, o Paulo, brasileiro que mora lá e me mostrou a cidade. Mas como toda boa festa, uma hora amanhece e você tem que começar a procurar uma carona para casa.

Voce nunca sabe como uma viagem vai ser, o que vai encontrar e como vai reagir. Eu nunca imaginei que fosse sentir saudade de uma sequoia.







quinta-feira, 3 de novembro de 2011

cadê meu cd do engenheiros?









Em cinco minutos a terra se movimenta de tal forma que o sol se atira no oceano antes que se possa terminar o cigarro. A estrada que vai de Los Angeles para São Francisco é tão linda que dá vontade de chorar. Highway 1. Então você estaciona o carro na tentativa de olhar a paisagem com mais calma e poder reter parte da beleza obcena de tudo aquilo. Mas não é suficiente, por que a beleza, como escreveu o poeta, "A beleza é um conceito/ E a beleza é triste/ Não é triste em si/ Mas pelo que há nela /De fragilidade e incerteza".

E na tentativa de guardar o incerto e inguardável, a beleza, você resolve tirar uma foto, que de forma alguma faz jus a realidade. O que se pode fazer então, a não ser tentar arrumar um bom lugar na cabeça para poder arquivar os eventos que deveriam ser inesquecíveis? Bom, esperar que outas preciosidades como essa se derretam diante dos nossos olhos outras vezes na vida.

Acelerar muito não pode, mas dá para ouvir música alta, que também dá um barato bom na coisa toda.

E como as rádios americanas começaram a falhar quando o caminho se estreitou no meio dos penhascos eu pensei: Onde esta meu cd do Engenheiros do Hawaii para poder ouvir Infinita Highway nessa hora? Não sei, nunca tive um, mas fiquei com vontade. Uma pena, o máximo que conseguimos foi uma coletânea do Cat Stevens que acabou combinando bastante como o trajeto. Poderia ser também um Robertão com As curvas da estrada de Santos, mas que infelizmente também não encontramos na lojinha.

Só tenho uma coisa a dizer ,hit the road Jack, pois a Infinita Highway não é infinita mas é bonita para caralho.






(eu, minha mãe e os leões marinhos)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

L.A WOMAN


É IMPOSSÍVEL andar por Los Angeles sem um óculos na cara. Tudo é muito claro, as ruas largas com longas e tortas palmeiras que cobrem os canteiros nas calçadas. A cada dez minutos você tem a impressão de estar num dos milhares de filmes americanos que você vem assistindo desde a mais tenra idade. In fact, é impressionante como toda essa cultura está impregnada em nossas memórias. Eu poderia ficar muito, bastante tempo por aqui. Mas, é o que todos dizem, sem um carro e um gps, nem venha para cá, pois para qualquer lugar que você queira ir, dá-lhe uma free way, uma high way, uma boulevard a milhas de distância. Mas guiar aqui é bom, as pessoas guiam bem, e eu devo ter levado no mínimo umas cinco broncas, das quais não entendi uma só palavra, sobre o meu modo brasileiro/paulista de guiar. Eu vi gente indignada comigo por conta de coisas que em São Paulo, ninguém sequer notaria. Reeducação sentimental no trânsito, é o que venho passando.



Outro problema que venho tendo é um lugar chamado Hugo´s, que fica a dez minutos do hotel onde estou hospedada. Um dinner, daqueles onde a moça fica repondo seu café cada vez que a xícara esvazia. O cardápio do Hugo´s é extenso, e não tem um item que eu não queira experimentar. Desde sucos malucos orgânicos, a eggs benedict, panquecas, frittatas, massas, iogurtes, tacos, etc etc etc E como tudo se faz de carro, onde gastar as calorias? Pois é.



Enquanto isso as pessoas malham em Venice Beach, uma mistura de praia, com vinte e cinco de março, galeria do rock, hospício, Arraial d´Ajuda, e algo mais que eu não sei nomear. Uma praia gigante, quadras de basquete, lojas e lojas de tatuagem, venda de maconha sob prescrição médica, junk food, lojas de souvenir, surf, out lets, freak shows, turistas,viciados em esculpir o corpo, uma gente maluca andando, uma fauna de gente com calções de banho esquisitos, patins, fantasias, sei lá, uma mistureba quase inenarrável. E o sol na cara. Dizem que de noite a barra pesa, não sei, não fui, mas acredito.



Aliás, a noite aqui acaba cedo. Não sei dos lugares onde não fui convidada a ir, mas nos bares, uma e meia acabou. Os drinks são geniais, bons mesmo, posso dizer isso com propriedade no assunto. Já os hamburgueres, quanta decepção, nossa carne é muito melhor. Aliás engraçado como São Paulo é uma cidade que se especializa tanto em fazer certas coisas que acaba fazendo melhor do que no país de origem. Assim como comemos pizza muito melhor na terrinha do que na Itália, o mesmo se aplica aos hamburgueres. E essa opinião é também de outros brasileiros que moram por aqui.


Já o chili, meu Deus, nada, nada se compara ao Chili americano.



Os dias voam para mim.






Santa Mônica, Silver Lake, Hollywood, calçada da fama, shoppings, O Getty Museum e é claro, o Halloween, que aqui é uma febre quase tão quente quanto o carnaval brasileiro. Dias antes, o povo começa a sair fantasiado, como se nada fosse. Até explodir num desfile/festa na Santa Mônica Boulevard, o maior Halloween do mundo, a menos de trinta metros do meu travesseiro. A princípio parece que a coisa vai pegar fogo, mas não sei se é por que não se pode andar com uma lata de cerveja na mão em público, ou o quê, mas a festa acaba sendo meio família. Minha mãe disse que lembra o carnaval de rua da época dela. Meio ingênuo talvez. Eu fiquei impressionada com as produções. Americano consegue fazer efeito especial até na hora de se fantasiar, uma verdadeira vitrine de esmero e dedicação em cada roupa. O equivalente ao preciosismo das produções de escolas de samba, só que em escala individual. Não durei mais que vinte minutos na festa, onde passei desapercebida pela multidão.


Fiz meus trinta e um anos com um pôr do sol no pier de Sta Mônica onde um grupo de cancioneiros mexicanos cantou parabéns a você para mim. E um jantar no Chateu Marmont, aquele onde a Sofia Coppola filmou seu último longa. Parece que o David Lynch come galinha lá, todo domingo a noite. Como só consegui mesa no bar e não no restaurante de fato, não posso confirmar o boato. Era domingo e eu comi a galinha especial do dia, e era boa, frita na manteiga, com um biscoito, purê, verduras. Um lugar lindo, onde comemos muito bem e tive que presenciar minha mãe roubando a margarita da mesa ao lado, deixada por dois marinhos à la Querele, que levantaram sem sorver um gole sequer do copo nublado de gelo e sal. Lua nova, um drink roubado, outros comprados, uma conta bem menos barra pesada que as facadas que tomamos nos restaurantes paulistanos. E a vida passando também. Como se nada fosse. Mas é.

O resto, como diz minha amiga Nina Crintz, não é perfumaria francesa, e sim farmácia americana.